P.R. Sarkar enfatiza o universalismo como um ideal a ser alcançado. Para que isso seja possível, o ser humano deve lutar contra duas tendências: i)geo-sentimento, expressado por um sentimento de superioridade por conta do próprio solo nativo, país ou pedaço de terra; e ii)sócio-sentimento, manifestado na defesa dos privilégios e interesses de um grupo social em detrimento de outros. Este é um esforço essencial para todos os seres.
Na prática espiritual, esse esforço se relaciona com a atividade de pracar? Como promover o universalismo na sociedade em geral? Nos dias de hoje, existe coerência entre o universalismo, a base que os pracarakas desejam disseminar no mundo, e o que temos encontrado dentro da comunidade da Ananda Marga?
Para investigar essas questões estamos inaugurando uma série de reportagens sobre universalismo. Nesta primeira matéria, conversamos com alguns acaryas e margiis buscando perceber: (i) em que ponto estamos deste ideal; e (ii) que esforços precisam ser feitos para caminharmos nessa direção.
Nas edições seguintes, iremos abordar como o universalismo é vivido e sentido por pracarakas que fazem parte de grupos tradicionalmente desprivilegiados na sociedade, como, por exemplo, as mulheres, os negros, os estrangeiros e o público LGBTQ+.
A percepção de que a filosofia da Ananda Marga é universalista é, em geral, consensual. Já a avaliação do quanto esses princípios acontecem na prática, é bem controverso. Segundo o Ghrii Acarya Pashupati (Steven Landau), existe universalismo na Ananda Marga “até certo ponto”. Para ele, não existem barreiras raciais ou religiosas. Mas existem barreiras de sócio-sentimentos expressas nas atuais divisões organizacionais. A Avaduthika Ananda Advaeta Acarya, por sua vez, entende que esse movimento “é algo necessário para a Ananda Marga virar de verdade uma organização universalista”. “Estamos no caminho da imperfeição para a perfeição. É um processo”, diz.
Para Renu (Renata Camargo), que está a frente do movimento Mulheres em cooperação coordenada, um grande obstáculo para o universalismo em Ananda Marga é o machismo. “A gente escuta que os homens são mais firmes nas práticas que as mulheres, mas ao mesmo tempo, durante os retiros, os homens estão lá meditando e as mulheres estão cuidando das crianças”, relata. Ela denuncia uma “violência psicológica” que estaria arraigada na Ananda Marga, que faz com que a mulher seja vista como mais emocional, e até mesmo como “louca”. Ela ressalta que o universalismo é um “chamado para a luta contra todas as formas de injustiça social, seja a pobreza ou qualquer tipo de discriminação”.
Para Anuragha (André Lucas), “o povo de descendência africana ainda não demonstra um volume expressivo de sadhakas atuantes, seja na comunidade, como na organização dos departamentos de Ananda Marga”. Num país em que mais de 50% da população é negra, ele afirma ter contado no último retiro setorial brasileiro cerca de 15 pessoas que, como ele, possuem a pele negra, dentro de um universo de mais de 400 pessoas. Em contrapartida, ele elogia o fato de ter sentido, no mesmo retiro, maior acolhimento do “legado da ancestralidade e da cultura afro-brasileira, através da música, poesia e da dança”.
Jyoshna é homosexual assumida desde o início de sua vida como margii, na década de 70, e sofre com o preconceito até hoje. “As pessoas do Terceiro Gênero (lésbicas, bisexuais, gays e trânsgeneros) não são tratadas com o mesmo respeito, são excluídas de cargos organizacionais em vários países, e até proibidas de frequentarem o DMS (Dharma Maha Samelian, grande encontro mundial de Ananda Marga), em alguns países. Quando alguém é tratado como cidadão de segunda classe por ser ‘diferente’, fica difícil não internalizar a negatividade e o sentimento de inferioridade, o que impede o progresso individual e coletivo”.
Existem, entretanto, movimentos se formando para discutir questões de discriminação, como o de mulheres e o LGBTQ+ (e que serão abordados com mais profundidade nos próximos capítulos desta série). Satyavan (Rogério Meggiolaro), destaca que existem acaryas fazendo esforços reais em dialogar com diversos setores da sociedade. Além disso, ele acredita na tradução dos livros de Baba para a maior quantidade de línguas possíveis, como ferramenta de esclarecimento, bem como no fortalecimento de Rawa, o departamento artístico de Ananda Marga. “Os artistas devem ter o neo-humanismo correndo na veia e serem pessoas com uma mente atual, que traduzam para uma linguagem mais acessível esses valores que estão implícitos na vasta literatura deixada pelo Guru”.
“Existem tantas pesquisas que apoiam o universalismo e a diversidade, por que não lemos e discutimos e lidamos com essas questões juntos?”, sugere Jyoshna. Gaotami (Carla Arantes de Souza) propõe a incorporação, dentro da prática da Ananda Marga, de metodologias como a CNV (Comunicação Não-Violenta), os círculos restaurativos e a mediação. Kalyanii Souza acredita em retomar a ferramenta de conversa open space (espaço aberto), já utilizada em retiros do Brasil e dos EUA, nos quais todos podem propor atividades e serem escutados.
Como você vive o universalismo dentro e fora da Ananda Marga? As questões levantadas nesta matéria ressoam com a sua vida? Que outras questões afetam a prática do universalismo em sua vida? Quais os caminhos que você enxerga para consolidar o universalismo na comunidade de Ananda Marga e na sociedade como um todo?