Na caminhada de um pracaraka, é comum haver muitos desafios, alegrias e até choques. No tantra é assim, quando uma luz se acende, outra já pede para ser trocada.

A trajetória de Jayadevi (Germana Lucena), paraibana da capital, também é marcada de inquietações, buscas, tombos e vôos. Formada em Fisioterapia, ainda na faculdade ela não se contentava com o que o atendimento tradicional na área da saúde oferecia: negociação com convênios médicos, número limitado de sessões e foco em tirar a dor e a inflamação. “Eu queria trabalhar com consciência corporal, ver o sujeito inteiro além da dor, protagonista de si mesmo”, ela nos conta.

Na procura de uma capacitação paralela, Jayadevi encontrou a hatha yoga e também conheceu o budismo. Mas foi quando ouviu Baba nam kevalam pela primeira vez, há 15 anos, que os anjos sopraram em seus ouvidos um sentimento de paz e bem aventurança. “O kiirtan me tocou profundamente”, lembra. Na época, conheceu Avadhutika Ananda Sutapa Acarya e Avadhutika Ananda Mitra Acarya, quem a convidaram para participar do programa Stress ao seu favor. “O formato científico e integrativo de cuidar do estresse me interessou muito, conectou com minha busca profissional”.

Em poucos meses, Jayadevi ingressou no curso intensivo de Biopsicologia, oferecido pela Didi Ananda Mitra, no interior de São Paulo. “Foi meu primeiro contato com o tantra e com Baba. Na volta para casa, uma semana depois, minhas amigas ficaram impressionadas como eu estava diferente”, ela recorda. Algum tempo depois, já atuava oferecendo alguns cursos e a prática do dharmachakra na Paraíba. Em seguida, orientou o conteúdo de anatomia na formação de instrutores de yoga.

Em paralelo, conheceu no método Feldenkrais uma forma de abordar a anatomia vivencial de forma prática, usando a consciência corporal. O método é conhecido pelas inusitadas estratégias e por seus movimentos gentis para melhorar postura, flexibilidade, coordenação e equilíbrio. Ao juntá-lo com o Tantra, Jayadevi diz ter chegado “na fórmula que uniu meu trabalho profissional ao espiritual”.

 

Ame-o ou deixe-o

Quando ainda começava a mergulhar na filosofia de Ananda Marga, como frequentadora do Instituto Visão Futuro, um novo desafio se apresentou: tornar-se vegetariana. Morando no nordeste, cresceu em meio a uma forte tradição de comer frutos do mar em casa, na praia. Foi brusco: ou tornar-se vegetariana ou não poder ser facilitadora de tantra yoga. “Eu não me enxergava em outro caminho, então passei 2 anos dizendo: só por hoje não como carne”. E lá se vão 15 anos.

Mas as provações não pararam por aí. No encontro com uma didi tailandesa, de passagem pelo Brasil, Jayadevi abriu-se novamente para suas inquietações. “Meu mestre é Jesus, então está muito estranho dizer que é Baba”, contou à monja. “Ela não deu cabimento, como se diz aqui no Nordeste. Ao invés disso, me passou uma lição, eu fiquei meditando, fui me envolvendo, sentindo uma única energia, a Consciência Suprema, e então me lancei. O questionamento foi embora”, ela nos conta.

Para Jayadevi, essa vivência foi um divisor de águas e lhe trouxe quietude. Ela até podia voar para outros lugares espirituais e terapêuticos, mas tinha encontrado um chão, um lugar de pouso. “Eu estava livre pra viver outras experiências, afinal a energia cósmica é uma só, mas a linha mestra é o tantra e minha relação com Baba é o caminho”.

 

Vontade de autonomia

Num dado momento da sua jornada, Jayadevi sentiu necessidade de expandir a autonomia criativa em seu ofício e alinhar-se cada vez mais com Yama e Nyama, princípios da yoga de harmonia com os outros e consigo mesma. Foi quando se desligou dos trabalhos que desenvolvia no Visão Futuro. Acabou encontrando um novo pouso e uma satsanga no curso que já vinha desenvolvendo, a convite de Dada Vishuarupananada, o monge e professor universitário Peter Sage: a formação em Yogaterapia, em Japaratinga, Alagoas (leia a matéria sobre o curso aqui). Junto com outros profissionais, criou-se um coletivo de trabalho, uma egrégora espiritual que se nutre e se retroalimenta.

Jayadevi também criou, em parceria com Susmita (Silvia Fuller), uma irmã espiritual e atriz, o programa online Meditar é possível, que, por meio das lições do método Feldenkrais, prepara o corpo e a atenção do aspirante para a prática meditativa. “A maioria das pessoas medita menos do que gostaria porque o corpo se incomoda, sente dor. As lições são uma meditação em movimento, com foco no mantra, na respiração, na ideação do amor cósmico e na manifestação divina em tudo. Quando termina, a pessoa está em um estado mental diferenciado, e o corpo organizado para o movimento e para a pausa”, ela explica.

Hoje seu pracar, que tem alcançado centenas de pessoas no Brasil, é fruto do uso de sua sabedoria de maneira autônoma. “Quando a gente cai, imediatamente quer procurar uma referência externa, um modelo, uma organização”. Mas seu grande desafio foi justamente aprender a não mais fazer seu trabalho como resposta à demanda de uma organização. “É minha convicção interna oferecer meu serviço e facilitar que outras pessoas vivam uma experiência que transcende o ordinário pelo corpo e pela saúde, tendo o Tantra Yoga e a filosofia da Ananda Marga como esteio”.